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Do Geek Pop ao Geek Punk: procura-se criadores de mundos!

por João Mognon
Dec 10th, 2019 » 9 min (Creativity) (Opinion)

Rafael Grampá é um contador de estórias. Estórias assim com “e” mesmo, viu? - e sim! mesmo depois da reforma ortográfica. Mas, talvez mais importante do que isso, seja o fato de que Grampá é um monstro do desenho. O sujeito tem um talento concentrado na capacidade de desenhar que poucas vezes eu vi alguém ter em qualquer área da vida. Ele desenha virtualmente qualquer estilo, ao passo que também desenvolveu seu próprio e continua, mesmo depois de ter consagrado seu traço, a se desafiar, a se desenvolver, a buscar melhorar. É esse senso de inquietude e busca por evolução que o fez se jogar, já há alguns anos, no árduo caminho de contar estórias através da arte do roteiro e da direção cinematográfica.

Se pensarmos que o domínio do desenho nos dá a capacidade de criar mundos na rapidez de um traço, podemos dizer que Grampá já saiu algumas casas na frente no jogo do cinema que, afinal de contas, pode se resumir na arte de criar e entregar novos mundos aos sentidos do espectador.

Com essa arma nas mãos Grampá dirigiu alguns curta-metragens de sua própria autoria. Quatro para ser mais preciso. Estreiou com uma animação, chamada Dark Noir e, ao longo dos próximos anos, dirigiu mais três live-actions de curta duração. Todos patrocinados por marcas - o que dentro do seu ramo, que é o mundo dos quadrinhos e da art novel, não é nenhum crime. Muito pelo contrário, a relação entre consumo, cotidiano e a arte dos comics estiveram sempre de mãos dadas, um alimentando o outro, criando valor e autenticidade num loop belo e positivo.

Seu primeiro curta foi patrocinado pela Absolut, seu próximo projeto pela Axe, depois veio um filme para a Fila e agora, a brilhante peça “Geek Punk” para a Comic Con Experience - e quando falo brilhante não tenho medo de ser acusado por um leviano julgamento, é brilhante mesmo! - principalmente naquilo que um filme de oito minutos protagonizado por “crianças heróis” trajando uma estética que o autor chama de geek punk pode inspirar.

Existe um brilho nessa peça, na sua estética e na própria direção de arte do filme que, diga-se de passagem, é assinada pelo diretor, que também é o roteirista e o designer dos personagens. Um trunfo relevante do projeto é o styling feito por Ana Wainer que traduziu com eficácia os sketches feitos por Grampá de cada um dos quatro cativantes personagens - encarnando a estética do geek punk no mundo físico. Bingo! Ao ver o curta a sensação que da é: eu quero ver todos os episódios dessa série, agora! (Por favor Netflix, faça um bem a você mesma e assuma esse projeto! - ou quem sabe você Disney? com seu novo e mágico serviço de streaming). O sentimento geral é uma fusão entre a nostalgia elétrica de Stranger Things com o realismo melancólico e fantástico de District 9 e Chappie. Trata-se da criação de um mundo. Um mundo bem executado! - o que em termos de Brasil é algo a ser celebrado! - e daí, a minha necessidade de escrever este pequeno ensaio.

O time de produção e pós-produção está de parabéns por ter trazido com fidelidade o mundo criado por Grampá para a realidade cinemática. É aqui que este filme é brilhante novamente: uma criação de mundo feita em 40 dias por um time de profissionais brasileiros jovens e talentosos é um trunfo por si só. O frescor de entender que nós como brasileiros somos capazes de criar peças com a relevância estética Pop como essa peça apresenta me energiza. Energia que toca um tema cujo qual nós somos um dos maiores consumidores do mundo: a cultura geek pop. Lembrando que a Comic Con Experience, patrocinadores desta peça, já é a maior feira de cultura geek do planeta - passando todas as outras Comic Cons do mundo em tamanho, inclusive a Comic Con de San Diego, berço original da franquia e maior do mundo em público até ano passado.

Tudo isso me dá esperanças de que estamos, neste quesito ao menos, em um caminho de prosperidade estético-cultural - e se você acha que os quadrinhos ou os filmes de super heróis não são cultura, eu sugiro você ir ao MIS e visitar a exposição Quadrinhos, em cartaz até março de 2019, para sacar um pouco da onde nasce o movimento que é chamada hoje de a “nona arte”. Se você ainda assim acha que o consumo disso daí é colonialismo cultural, eu convido você a visitar também a própria Comic Con que acontece agora e todos os anos em dezembro, para você entender a dimensão e relevância do que esses mundos são para os jovens brasileiros. Isso para você não ser pego de surpresa por esse tsunami cultural como você foi pego pelo hecatombe protestante que te fez acordar para o país que você realmente vive depois de nossas últimas eleições gerais.

Talvez isso nos ajude a deixar de sermos zumbis culturais que dormem no berço de sonhos expirados e vivem iludidos por um senso de progresso que só traz atraso. Acordemos! Criar mundos é arte! O Pop tem seu lugar e se já estamos entre os maiores consumidores do mundo dessa indústria, que sejamos também os seus criadores! Que deixemos de ser escravos desse sistema, para sermos senhores feudais nos prados da Cultura Pop. Que aceitemos o Pop em todas as suas dimensões. Dos games às telas de cinema, dos conceitos de Andy Warhol às estórias em quadrinho, da Tropicália à Anitta. Para que possamos dominar e não sermos dominados, sendo capaz de criar heróis que inspirem o mundo e que, talvez, façam o próprio mundo respeitar o poder da nossa criação brasileira. É deste soft power que estou falando, o soft power que nos faz capaz de recriar os heróis de nosso tempo. Para que, quem sabe, o próximo “herói da Disney” não seja um cowboy estelar" com um sabre de luz nas mãos mas um índio místico que descerá de uma estrela colorida brilhante. Sendo o Brasil, afinal, o Sonho Americano que, dando errado, deu certo! Evoé!

João Mognon é pesquisador e poeta e este ensaio foi publicado originalmente em seu blog.

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