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Uma experiência real de nomadismo digital

por Karina Rehavia
Feb 25th, 2019 » 9 min (liⱴε) (News)

Céu sem nuvens, mar transparente. A brisa nas palmeiras e uma água de coco estupidamente gelada. A locação é a ilha de Koh Lipe, no sul da Tailândia. Parece cena de cartão postal, mas trata-se do meu escritório pelas próximas duas semanas.

Viajar e trabalhar sempre foram duas grandes paixões, mas combiná-las parecia uma missão impossível, daqueles estilos de vida que lemos em best-sellers empresariais. Até o dia em que nosso CEO me chamou para perguntar se eu toparia supervisionar, in loco, um projeto que estava em execução em Nova York e que deu início à expansão internacional da Live. Foi a semente de uma ideia maior: gerir remotamente nosso projeto de expansão, rodando o mundo em busca das melhores oportunidades para a empresa. Uma empreitada que, por natureza, dispensaria uma base fixa.

O primeiro passo foi resolver as questões práticas: devolver meu apartamento, vender os móveis, esvaziar o armário e encontrar um novo lar para a minha gata (obrigada, mãe, por adotar a Orloff!). Em seguida, vieram os desafios logísticos de uma vida nômade. Afinal, você carrega sua casa nas costas no melhor estilo caracol (já imaginou ter de fazer uma mala que funcione para uma reunião de trabalho no inverno de Moscou, uma filmagem no deserto do Atacama, um coquetel em Singapura e qualquer outra ocasião da vida cotidiana – casamentos, batizados, trekkings e afins?).

Existem vários nomes para esse novo estilo de trabalhar: nômade digital, trabalho remoto, location independent. Além das vantagens óbvias, como poder trabalhar com o pé na areia, esse modelo estimula a produtividade, a criatividade e cria oportunidades profissionais fantásticas, e, às vezes, um tanto inusitadas – como conhecer e agendar uma reunião com um prospect na fila do check-in no aeroporto de Kuala Lumpur.

Do ponto de vista da produtividade, a palavra de ordem é assertividade. Não estar fisicamente com colegas de trabalho e questões logísticas como viagens e fuso horários fazem com que cada interação seja planejada e cada tarefa tenha seu tempo exato alocado. A ausência do "bate papo de corredor" também ajuda no foco – na maioria das vezes, você trabalha sozinho e, portanto, com distrações mínimas (tirando um macaco ou uma gaivota que tentam roubar seu lanche quando você não está olhando).

Uma das descobertas mais interessantes para mim nesse sentido foi a questão do fuso horário. Trabalhei durante um mês com sete horas de diferença com a sede da agência em São Paulo. Em um primeiro momento, pensei que isso poderia ser problema, e que eu teria muitas vezes de trocar o dia pela noite. Mas percebi que, com um bom planejamento, foi possível utilizar o fuso horário a meu favor – separava as horas da manhã e da noite para o trabalho que precisava ser feito em grupo, e tinha o restante do tempo para trabalhar naquilo que dispensava interação. Além disso, eu estava sempre na frente em termos de horário, o que significou também que estava sempre na frente com relação ao meu trabalho.

Os ganhos no processo criativo também são bastante significativos. Estar sempre em novos lugares, interagindo com outras culturas e cenários, abre o pensamento e estimula a mente. Diversas vezes, ao me deparar com um problema que precisa de uma solução, paro o que estou fazendo e começo algo completamente diferente – um passeio, uma conversa com um vizinho de quarto, uma comida que nunca provei. Ao retornar, estou muitas vezes com a solução na mão. Deixar com que as coisas aconteçam no seu tempo, respeitando esse processo de amadurecimento, está sendo um dos meus maiores aprendizados.

Conhecer pessoas de diversos backgrounds também é uma enorme vantagem do nomadismo digital. As oportunidades de networking são infinitas. Conheci, no trem indo de Londres para Paris, uma diretora de RH americana que trabalha para o mercado publicitário em Dubai. Na Indonésia, um economista egípcio que entrou para o livro Guinness dos recordes depois de ter feito a travessia de bicicleta da Europa mais rápida da história. Na Tailândia, um ex-diretor de multinacional australiano que largou tudo e se especializou em fotografia de natureza. Hoje, trabalha como fotógrafo para revistas de bordo. Basta estar aberto e curioso para conhecer novas pessoas e culturas, e a mágica acontece.

Se animou? Compartilho abaixo dicas e aprendizados que tive até aqui:

O primeiro passo é entender se a sua ocupação é passível de ser feita remotamente. Produção de conteúdo, programação de sites e marketing digital são algumas das profissões mais comuns entre os nômades digitais. Mas atenção: às vezes, um trabalho que parece impossível ser executado de forma remota é, na verdade, totalmente viável. Um exemplo disso é meu terapeuta, que cada vez mais atende pacientes que moram fora do país. Seu plano, no longo prazo, é não precisar mais de um consultório fixo. Da mesma forma conheci arquitetos, professores, engenheiros e profissionais de diversos outros segmentos que estão atuando remotamente em suas profissões.

Caso você não seja um profissional autônomo, e não esteja planejando se tornar um, é importante saber se a instituição para qual trabalha está disposta a estimular e acolher esse modo de trabalho. A boa notícia é que cada vez mais empresas estão entendendo as vantagens de ter seus colaboradores trabalhando remotamente. Dell, 3M, Apple são alguns exemplos que estão implementando o trabalho remoto dentro de suas operações.

Reduzir custos fixos é fundamental para que esse formato se torne sustentável. Afinal, para onde você for, seus custos de vida irão junto. No meu caso, por exemplo, transformei o custo mensal que tinha de aluguel em pagamento de quartos de Airbnb, hotéis e pousadas.

Escolha com cuidado o seu destino. Uma boa estrutura de trabalho e, principalmente, uma boa conexão de internet são essenciais para o sucesso desse tipo de empreitada. Diversas cidades ao redor do mundo estão identificando o nomadismo digital como uma fonte fértil de receita, e com isso criando espaços customizados de trabalho focados nesse público. Chiang Mai, na Tailândia, Canggu em Bali e Tallin, na Estônia, são alguns dos destinos mais populares. A Estônia inclusive criou um visto especial chamado e-Residency focado em profissionais autônomos e empreendedores.

Ter o equipamento de trabalho correto também é importante para o dia a dia do trabalho remoto. SIM cards locais facilitam o acesso à internet e a comunicação. Um bom fone de ouvido, de preferência com cancelamento de ruído, também se torna uma ótima ferramenta. Afinal, muito provavelmente você passará boa parte do seu tempo em calls e vídeo conferências.

Viaje leve e lembre que tudo o que você levar na mala terá de ser carregado de um lugar para o outro. Para mim, a regra do "três de cada" funciona bem. Com três peças de cada tipo de roupa consigo estar preparada para todas as ocasiões, em qualquer estação do ano. Vale também o cuidado para que as peças combinem entre si.

Para aqueles que querem se aprofundar no tema, separei aqui alguns dos meus materiais de leitura favoritos sobre trabalho remoto e nomadismo digital.

- Nomade Digital - Casal Partiu / Vinícius Teles
- Trabalhe 4 horas por Semana - Timothy Ferriss
- Digital Nomads: How to Live, Work and Play Around the World - Esther Jacobs & André Gussekloo
- Remote - Jason Fried & David Heinemeier Hansson

Happy travels!

Karina Rehavia é diretora de operações internacionais da LiveAD.

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Para saber mais sobre mudanças no trabalho na era da Gig Economy, leia Flexibilizar a forma de trabalhar é importante?

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